Os últimos dados do IBGE, de 2019, apontam que apenas 68,3% dos domicílios do Brasil tem esgotamento sanitário, seja rede geral ou fossa séptica ligada à rede. O desafio para garantir esse direito é ainda maior quando olhamos especificamente para o cenário do espaço rural. Mas, diversas experiências promissoras vêm sendo trabalhadas por dezenas de instituições no Semiárido brasileiro para garantir proteção ambiental e promover saúde e cidadania.
Para debater essa temática, promover as tecnologias sociais existentes e mobilizar a sociedade civil organizada, a Articulação Semiárido Brasileiro – Asa tem realizado encontros e intercâmbio nos estados do Semiárido. As atividades contam com o apoio do Irpaa e da Cáritas Alemã. Entre os dias 23 e 25 de novembro foi a vez do estado da Bahia, o evento aconteceu no município de Juazeiro e reuniu mais de 50 representantes de cerca de 30 instituições.
A programação do Seminário incluiu uma visita à comunidade Açude da Rancharia, no distrito de Pinhões. Lá, existe uma experiência pioneira de saneamento rural em escala comunitária. A iniciativa começou a ser articulada a partir de 2018, através da atuação do Irpaa e hoje é um exemplo de sucesso, tanto pela mobilização e engajamento da comunidade, quanto pelas parcerias envolvidas. Depois da inauguração do Sistema de Tratamento de Esgoto Comunitário com Reuso de Água, que aconteceu em março deste ano, a moradora Josivanda Ribeiro viu tudo mudar. O lugar que antes sofria com esgoto escorrendo pelo chão e proliferação de insetos, segundo ela, “melhorou 100%. Era aquele sofrimento. Hoje, graças a Deus, acabou isso tudo”.
A visita à comunidade Açude da Rancharia chamou a atenção do coordenador de projetos da Cooperativa de Assistência à Agricultura Familiar Sustentável do Piemonte – Cofaspi, Robson Aglayton, que afirma ter percebido os elementos de mudança de vida, conforme foi destacado pela Josivanda. “Ver que a nossa ação não muda só aquilo que a gente pensava que ia mudar. Quando a gente ouve a família, a gente vê que foi muito mais. É isso que levo pra gente lá em Jacobina”.
O técnico em agropecuária Gilmar Ferreira, do Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais – Sasop, compartilhou, durante a atividade de socialização de experiências das instituições, o exemplo de uma agricultora do município de Pilão Arcado que já está fazendo o saneamento total, em escala familiar. Gilmar destaca que tem sido promissor “o resultado tanto na produção de forragem para os animais, com o reaproveitamento dessa água depois de tratada e também o resultado ambiental que teve a propriedade, de não proliferação de moscas e mosquitos”.
O Movimento Popular de Cidadania – MPC, de Juazeiro, também participou, compartilhando a experiência do coletivo com a atuação de controle social, fazendo a incidência e o monitoramento do saneamento básico no município. Para Tânia Silva, integrante do MPC, essa participação ativa da sociedade “[…] é que vai efetivar as políticas públicas de saneamento básico. É importante que as entidades que já realizam essas práticas de saneamento rural, elas possam também se apropriar das políticas públicas de saneamento básico, para que os poderes públicos municipais possam também ser cobrados”, ressalta.
Tânia destaca a importância do evento para conhecimento das tecnologias apropriadas já implantadas nos Territórios de Identidade da Bahia e que isso “instrumentaliza para poder cobrar junto ao poder público municipal”. Ela acrescenta ainda que “é importante que essas ações de formação, de compartilhamento, continuem […]”.
Neste mesmo sentido, a coordenadora da equipe do projeto Pró-Semiárido no Serviço de Assistência Socioambiental no Campo e Cidade – Sajuc, em Sobradinho, Dulce Carvalho, ressaltou a importância da troca de experiências no evento para o fortalecimento de uma atuação coletiva, principalmente para sensibilizar a população sobre esse tema do saneamento rural e do reúso de águas. “Se a gente quer disseminar em todo Semiárido, a gente precisa construir algo coletivo, que todas as entidades estejam implementando também as estruturas. Então, nada como a troca de saberes para esse pontapé inicial nessa boa nova que a gente pretende construir no Semiárido”.
Nas atividades da programação, os/as participantes conheceram também tecnologias de saneamento instaladas no Centro de Formação Dom José Rodrigues, do Irpaa. O coordenador do Eixo Clima e Água na instituição, André Rocha, pontua que “o evento permitiu tirar dúvidas de quem ainda está se preparando para iniciar essas práticas, mas também possibilita visibilizar as várias maneiras e as necessidades ou as possibilidades de melhoria, seja ela estrutural ou de manejo das tecnologias, a partir da observação, do diálogo e da conversa entre as equipes presentes.
André destaca ainda que algumas das tecnologias como a Bacia de Evapotranspiração – BET, o Bioágua e Reator UASB já integram o Plano Nacional de Saneamento Rural – PNSR. “O Bioágua, inclusive, já possui uma instrução normativa”. Assim como aconteceu com a cisterna, ter um documento que regulamenta a construção é importante para democratizar o acesso e disseminar a instalação.
Outro tópico de destaque ao longo das discussões foi de que é preciso continuar trabalhando a questão do acesso à água, e água de qualidade para consumo humano e animal e para a produção de alimentos. E, ainda, que o foco das entidades e dos/as agricultores/as não deve ser apenas o reaproveitamento de água. “O reúso das águas é um resultado, é um produto do saneamento básico rural. Nós temos a compreensão que precisa se tornar uma política pública real no campo, que precisa ser aplicada nas comunidades rurais do Semiárido[…] Vai trazer mais qualidade de vida, mais saúde e água para produzir alimentos”, afirma o coordenador institucional do Irpaa, Clérison Belém.
Nessa luta para que o saneamento básico rural seja uma realidade no Semiárido, é importante a sensibilização para uma atuação engajada das famílias que vivem no campo. “Um dos nossos sonhos é que os agricultores sejam conscientizados para que cobrem e sejam protagonistas desse processo de cobrança, porque o saneamento é um direito e que precisa chegar nas comunidades do Semiárido”, ressalta Clérison.
Sonhos realizados pela atuação em rede
O integrante da coordenação nacional da ASA, Naidson Batista, afirma que, levando em conta as dimensões do Semiárido, se faz mais que necessário a atuação conjunta. “Precisa chamar universidades, o governo do estado, as prefeituras, institutos de pesquisas, organizações internacionais para que juntos a gente possa construir esse processo de saneamento”. Batista frisa o envolvimento da comunidade e das parcerias na experiência compartilhada pelo Irpaa. “A gente tá vendo concretamente isso. Estamos vendo o Insa, a universidade, a prefeitura, o governo do estado, a Cáritas internacional, então, é muita gente tentando descobrir a estrada do saneamento”.
A Asa celebrou 23 anos de fundação no dia 26 de novembro. De acordo com Naidson, ela “nasceu da cabeça de sonhadores! Pessoas que desejavam um Semiárido mais agradável e melhor para a população viver”, destaca, e agora é uma organização sólida. “Nosso sonho foi pra frente. Temos um milhão e trezentas mil famílias com água potável de qualidade, mulheres que não precisam carregar água na cabeça. É uma coisa imensa, muito bonita”.
O veterano da rede Asa também aqui na Bahia enfatiza que os exemplos de sucesso demonstrados no seminário estadual precisam ser ampliados e, junto a este “sonho”, também é fundamental pensar em novas possibilidades para a população do Semiárido.
“As experiências que estamos vendo aqui [de saneamento básico rural], precisamos colocar em grande escala. E temos o desafio de que cada casa do semiárido seja uma produtora de energia solar para vender, para gastar e para vender. Aí nós teríamos o maior programa de produção de energia descentralizada e democrática. São sonhos, mas que a gente tá sonhando com o pé no chão. Nós temos capacidade, coragem e história, que nos mostra que podemos mexer com isso e ganhar esse caminho”, enaltece Naidison.
Para avançar na construção desse “sonho”, a integrante da coordenação da Asa Bahia, Luna Layse Almeida, afirma, ao avaliar o evento, que é preciso “sistematizar essas experiências que a gente vem construindo. E, para além disso, a gente também pensar um processo de formação continuada para rede Asa, voltado para o tema do saneamento básico e também propor as políticas públicas para a gente mobilizar e sensibilizar as comunidades e os gestores em relação a essa temática”, finaliza.
Fotos: Comunicação Asa Bahia e Eixo Educação e Comunicação do Irpaa
Texto: Eixo Educação e Comunicação Irpaa