Reforma de Bolsonaro mira na privatização da previdência que está sendo revertida em vários países

Proposta ignora princípio da redistribuição de renda da previdência brasileira e responsabiliza os/as agricultores/as familiares pelo rombo das contas do INSS, esquecendo a dívida milionária das empresas

Por Verônica Pragana – Asacom

Quando países da América Latina e Europa Oriental voltam a instituir regimes públicos de previdência social, após experiências de privatização que ampliaram as desigualdades de gênero e renda, assim como a pobreza na velhice, o governo Bolsonaro insiste na privatização. Afinal de contas, apesar de não estar dita de forma explícita, esta é uma forte intenção da proposta de reforma previdenciária encaminhada pela sua equipe ao Congresso Federal através do Projeto de Emenda Constitucional 06/2019. Esse novo modelo estimula os trabalhadores a fazer uma conta individual de capitalização para juntar o dinheiro da própria aposentadoria.

Diante do fenômeno do retorno mundial aos sistemas públicos de aposentadorias e pensões, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) analisou os elementos do fracasso da privatização, apresentada como solução concreta para enfrentar o envelhecimento da população e garantir a sustentabilidade dos sistemas de previdência. Os principais pontos do estudo estão publicados no artigo “Reversão da Privatização de Previdência: Questões chaves”.

“Tendo em vista a reversão da privatização pela maioria dos países e a acumulação de evidências sobre os impactos sociais e econômicos negativos da privatização, pode-se afirmar que o experimento da privatização fracassou”, afirma taxativamente a agência multilateral da Organização das Nações Unidas (ONU) especializada em questões trabalhistas.

“As experiências de privatização nos países em desenvolvimento mostram que o setor financeiro, os administradores privados e as empresas comerciais de seguros de vida são, aparentemente, quem mais se beneficia da poupança previdenciária das pessoas – muitas vezes são os grupos financeiros internacionais que detêm a maioria dos fundos investidos”, acrescenta a análise que está disponível em português e se trata de leitura imprescindível para quem se opõe à reforma proposta pelo governo de Bolsonaro.

O estudo da OIT atesta com todas as letras que “a privatização quebrou o contrato social consagrado na seguridade social”, explicando que esse contrato se baseia no princípio da redistribuição da renda dos empregadores para os trabalhadores, daqueles com maior renda para aqueles com menor renda ao longo da vida e de pessoas saudáveis capazes de trabalhar para pessoas doentes, portadoras de deficiência ou incapacitadas de trabalhar, como as mulheres durante sua maternidade.

“Na Bolívia, por exemplo, a proporção de mulheres idosas que recebem uma aposentadoria caiu de 23,7 por cento em 1995 para 12,8 por cento em 2007; na Polônia, a proporção das mulheres em risco da pobreza atingiu um recorde histórico de 22,5 por cento em 2014”, quantifica o estudo.

Portanto, quando o governo Bolsonaro e sua equipe financeira liderada pelo ex-banqueiro Paulo Guedes propõe uma série de medidas que podem excluir até 90% dos agricultores/as familiares da aposentadoria, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura (Contag) – argumentando que uma grande parte do déficit na previdência é provocada pela baixa contribuição desta parcela da sociedade – estão desconsiderando um princípio fundamental do sistema previdenciário brasileiro: o de cuidar das pessoas mais pobres quando estas não têm condições de trabalhar.

E ignoram também a condição de segurado especial da previdência, garantida pela Constituição Federal de 1988, aos agricultores/as responsáveis pela produção de 70% dos alimentos que nutrem os/as brasileiros/as. Como segurado/a especial, para se aposentar ou ter direito a benefícios como pensão e licença-maternidade, o agricultor/a precisa comprovar 15 anos de trabalho com a agricultura através de uma declaração do sindicato, sem a exigência da contribuição. “Hoje, dos próprios contribuintes urbanos, segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apenas 60% conseguem contribuir com a previdência. Quem dera o agricultor familiar que têm dificuldade de geração de renda permanente”, destaca Adelson Freitas Araújo, vice-presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Pernambuco (Fetape).

E a dívida das empresas? Interessante é que esta proposta mantém intocável a sonegação de grandes empresas ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) cujo acumulado de dívidas em 2016 cobriria três vezes o déficit previdenciário anual calculado pelo governo. “Entre as devedoras, estão as maiores do país, como Bradesco, Caixa, Marfrig, JBS e Vale”, anuncia a reportagem publicada no início de 2017 pelo portal de mídia independente Repórter Brasil, uma ONG formada em 2001 para identificar e tornar públicas situações que ferem direitos trabalhistas e causam danos socioambientais no Brasil. Na época da publicação deste texto, o país vivia assombrado pelas tentativas de reforma previdenciária do governo Temer.

Investigada em inúmeras operações da Polícia Federal por suspeitas de fraudes envolvendo milhões de recursos públicos e pagamento de propinas, entre outros crimes, a JBS – segunda maior empresa do Brasil – está na lista das empresas que mais devem ao INSS. “Apesar de enfrentar problemas com a Justiça brasileira, o faturamento total da empresa em território nacional foi de R$ 163,17 bilhões [em 2017]”, informa notícia publicada no Correio do Estado em abril do ano passado, intitulada Grupo JBS ignora crise e dobra lucratividade em 2017.

Em entrevista para o site da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o ex-ministro da Previdência e do Trabalho e ex-presidente da própria Central, Luiz Marinho, é seguro em afirmar que a reforma proposta não resolve a crise econômica. “Se querem falar de reforma da Previdência, primeiro tem que atacar os problemas cruciais que impedem, de fato, a retomada do crescimento da economia. Um deles é a repercussão da crise política, que traz uma falta de confiança. Outra questão é discutir o papel do Estado. Ele tem que induzir, liderar um processo de retomada do crescimento e investimento, em especial, em infraestrutura”.

Matéria originalmente publicada em: http://asabrasil.org.br/noticias?artigo_id=10836&fbclid=IwAR148Gh6ndn-7rWNoog5mxGsZZIqj5HEeVA4KmGVErzO6gIIbfVl-rmKmqo

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