Movimentos Populares lutam pela derrubada dos vetos do PL da agricultura 735

Quatro de novembro de 2020 é dia de acompanhar as votações no Parlamento. Neste dia o Congresso Nacional analisará os vetos feitos pelo Poder Executivo à Lei de Incentivo à Agricultura Familiar (Lei Assis Carvalho).Dos seus 17 artigos, “ele (Bolsonaro) vetou tudo que tinha algum valor de investimento”, comenta Frei Sérgio Gorgen, dirigente do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA). E completa: “o veto foi integral, o que ele deixou foi perfumaria”.
A mobilização dos movimentos está focada na derrubada dos vetos. Suas lideranças consideram que sua manutenção potencializará o cenário de inflação e escassez que se vislumbra. Gerson Teixeira, da assessoria da liderança do PT na Câmara, comenta que o veto “foi, acima de tudo, a reafirmação do posicionamento político do governo Bolsonaro, refratário aos vários segmentos sociais que integram a agricultura familiar”. Ele destaca que “com o veto, o governo Bolsonaro também reafirma o seu descaso com os graves problemas do abastecimento interno de alimentos”. Para Teixeira, “a inviabilização da Lei equivale a deixar de assegurar, neste momento de carestia dos alimentos, as condições mínimas de produção desses produtos pelos principais protagonistas da segurança alimentar no Brasil: os agricultores familiares”.

70% dos alimentos são oriundos da agricultura familiar
Responsáveis pela produção de cerca de 70% dos alimentos consumidos no país, as famílias de agricultores familiares têm sido excluídas das medidas emergenciais desde o início da pandemia do Covid-19, como o auxílio emergencial de R$ 600. Como consequência, segundo o IBGE, as famílias de agricultores familiares tiveram redução de 51% nas suas rendas, com perda em média de 35% dos rendimentos que as famílias recebiam antes da pandemia (PNAD COVID 19, IBGE 2020).
Redução de renda dos agricultores familiares, menos recursos para produção de alimentos, aumento dos custos dos alimentos da cesta básica – arroz, óleo, derivados do leite, horti-fruti-granjeiros já subiram de preço. Como consequência, ampliação do número de pessoas passando fome no Brasil.

Até dezembro 20 milhões de brasileiros estarão passando fome

O Brasil voltou ao mapa da fome. Em 2017, eram 10 milhões de famintos, em situação grave de carência alimentar; 18 milhões em situação moderada de carência alimentar, segundo o IBGE (POF 2017, IBGE). O relatório “O Estado da segurança alimentar e nutrição no mundo 2020 (SOFI)” (Organização das Nações Unidades para Agricultura e Alimentação -FAO – 2020) estima que até o final do ano de 2020 haverá 20 milhões de pessoas passando fome no Brasil. Consequência da pandemia do Covid-19, mas também das políticas (ou das não políticas) implementadas pelo Governo Federal. Flávio Valente, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), destaca que “estamos de volta ao mapa da fome, com concentração nas populações vulneráveis, indígenas, quilombolas de povos tradicionais”.
Para Frei Sergio (MPA), no período próximo o quadro não mudará. Ele comenta que isso é consequência da escolha do governo federal em apoiar o grande agronegócio, que produz soja para exportação, e não ajuda os pequenos agricultores. Ele destaca que “nós tivemos uma contradição brutal, somos um dos maiores produtores de grãos do mundo. E o nosso povo passa fome”.

Restrição de ações e políticas públicas voltadas à agricultura familiar.
As políticas públicas federais voltadas à agricultura familiar têm tido expressivo retrocesso nos últimos anos. Análise realizada por Gerson Teixeira, a partir de dados do Painel do Orçamento Federal do SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento) do Ministério da Economia, explicita importantes fatos que impactam diretamente as condições de produção da agricultura familiar, como:
– Extinção da ação “Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para Agricultura Familiar” e incorporação da mesma à ação de ATER do Ministério de Agricultura e Pecuária (MAPA). E execução ZERO em 2019;
– Apesar da ação de Financiamento para a Agricultura Familiar (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF) ter sido mantida, a sua execução até 21 de outubro foi de menos de 10%, dos R$ 370 milhões previstos foram realizados R$ 30 milhões;
– O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) mesmo com aprovação de recursos extras devido à pandemia para o exercício 2020, também teve redução expressiva. Os números originais de 2020 foram cerca de 15% do montante de 2013. E apesar dos insuficientes números iniciais de 2020 (R$ 176, 4 milhões), até 21/10/2020 a execução havia sido de apenas R$16,3milhões (menos que 10% do inicialmente previsto). Ou seja, cerca de 1% dos valores de 2013.
– Crédito Fundiário, por sua vez, teve execução ZERO até 21/10.
Por outro lado, o agronegócio se mantém no comando. Em 2020, o Tesouro Nacional prevê gastos diretos apenas com subvenções ao “agronegócio do café”. Recursos da ordem de R$ 5 bilhões, em benefício de 55 mil produtores (91 milhões R$ por produtor).

Calamidade do Covid-19 e restrição orçamentária
Neste período de calamidade, quando inexiste qualquer restrição orçamentária, o governo poderia elevar o gasto público para além de sua arrecadação, além de permitir um maior nível de endividamento e algum descumprimento das regras fiscais. Mas no que tange às políticas públicas relacionadas à agricultura familiar, ocorre justamente o oposto. Por isso, as discussões sobre o teto de gastos têm que entrar na pauta. A PEC 36/20, que está no Senado, propõe saída gradativa do teto de gastos. A produção de alimentos é um dos setores que demandam a saída do teto, já em 2021.

Lei Assis Carvalho
Voltando à lei Assis Carvalho. A sua inviabilização “equivale a deixar de assegurar, neste momento de carestia dos alimentos, as condições mínimas de produção [de alimentos] pelos principais protagonistas da segurança alimentar no Brasil: os agricultores familiares”, destaca Gerson Teixeira.
Apesar do quadro difícil, no qual os partidos de esquerda não têm votos suficientes para derrubar os vetos, os movimentos do campo não perdem a esperança. Eles apostam no povo. “A única possibilidade nossa é que aquele povo que vota nos deputados do Centrão e que são pequenos agricultores (agricultores familiares, camponeses), pressionem os seus deputados. É a única chance. É pressionar local. É o povo do interior, onde eles fazem voto”.
Boxe
Lei de Incentivo à Agricultura Familiar, conhecida como Lei Assis Carvalho.
Dezessete artigos da lei nº 735/2020 trazem medidas emergenciais de amparo aos agricultores familiares, para atenuar os impactos socioeconômicos da pandemia do coronavírus. As propostas incluem compras do poder público da agricultura familiar, doação de alimentos para famílias mais pobres nas periferias e ajuda do poder público aos agricultores familiares que não receberam auxilio emergencial – de R$ 3 mil dividida em cinco parcelas.
A lei foi batizada como nome de Assis Carvalho em homenagem ao parlamentar, que faleceu no dia 5 de julho, vítima de complicações após sofrer um infarto em Oeiras, no Piauí, sua cidade natal.
O projeto de lei (PL) foi de autoria do líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados EnioVerri (PT/PR), com a coautoria de outros parlamentares do PT, e a relatoria do deputado Zé Silva (Solidariedade/MG). O PL foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 20 de julho e no dia 05 de agosto de 2020 pelo Senado Federal. Foi encaminhado à sanção presidencial em 07 de agosto e devolvido pelo executivo com vetos no dia 24 do mesmo mês.
A análise dos vetos a 14 dos 17 artigos da Lei Assis Brasil no Congresso Nacional está marcada para o dia 04 de novembro de 2020.

Por Tatiana Scalco

Fonte: MPA Brasil

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