Enquanto o governo deve continuar investindo no agronegócio, que contribui com as mudanças climáticas, a sociedade civil deve, por exemplo, fortalecer redes de agricultores(as) experimentadores(as) para reforçar a agroecologia e resistir às mudanças climáticas.
Por Adriana Amâncio /Asacom
No Brasil, o desmatamento ilegal é a principal atividade responsável pela emissão de gases poluentes. Essas emissões não partem apenas da Amazônia, mas também do Semiárido. Segundo dados da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), cerca de 40% de toda a Caatinga foi desmatada e ocupada com agricultura e pastagens. Quase 44% das Áreas de Preservação Permanente (APPs) da região, que protegem os leitos de rios, já não têm vegetação e servem à agropecuária.
Cenários como este, que fazem com que o Brasil saia da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – COP 26 sem apresentar resultados concretos de redução dos efeitos das mudanças climáticas, devem permanecer no futuro próximo. De acordo com o coordenador Geral da Organização Não Governamental Caatinga, que integra a ASA Brasil, Paulo Pedro, a situação atual é decorrente do investimento no agronegócio em “detrimento do sucateamento dos órgãos e das políticas ambientais” ocorrido nos últimos quatro anos.
“O pessoal do agronegócio está se sentindo à vontade no atual governo. E tem a bancada ruralista, que é forte e detesta as leis ambientais, que fortalecem a agricultura familiar, a agroecologia. Eu não tenho dúvida de que o agronegócio impacta diretamente nas mudanças climáticas e na vida das pessoas. Ele é destruidor dos bens naturais, dos solos, das matas, das águas”, analisa Paulo.
O agro deve continuar pop – Paulo Pedro acredita que o agronegócio permanecerá tendo prioridade nos próximos meses até a realização da COP 27, prevista para novembro de 2022, no Egito. Isso se deve ao fato de que a atividade é considerada importante, pois sustenta o Brasil na posição de “grande produtor de alimentos” e traz “dólares para o Brasil, o que é bom para a economia do país”. Sem dúvidas, prossegue Paulo, essa atividade é importante, no entanto, boa parte do que o setor produz é exportado, enquanto a população local sofre com a insegurança alimentar.
A agropecuária, por exemplo, emite o metano, um gás 20 vezes mais poluente do que o carbono. A pecuária brasileira é uma das maiores do mundo e é mantida através de sistemas degradadores, que retiram a vegetação, queimam o solo e o compactam com o excesso de peso animal dos sobre pastoreios, observa. “Eu não estou dizendo que a agricultura não tem que ser de exportação, mas os alimentos têm que ser exportados quando a população local estiver alimentada. Essa é a lógica da agroecologia que, primeiro, garante a segurança alimentar das famílias”, arremata.
Todo mundo sai perdendo – As consequências do agronegócio afetam todas as pessoas, inclusive as famílias agricultoras agroecológicas que trabalham na contramão do agravamento das mudanças climáticas. Porém, nos últimos anos, não tem sido fácil manter esta prática que é alicerce das experiências de convivência com o Semiárido e que, inclusive, têm tornado as famílias mais resilientes aos problemas ambientais. Segundo Paulo, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), instituída pelo Decreto nº 7794 de agosto de 2012, embora recém criada, vinha apresentando grandes avanços, porém sofreu retrocessos nos últimos quatro anos.
“Essa política é uma conquista da sociedade civil. Tinha uma gestão participativa através da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), que tinha uma gestão paritária em torno do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). Nós chegamos no primeiro plano e quando preparamos o segundo, o Brasil entrou nesta crise política, que estagnou a agroecologia”, resgata.
Com a chegada da pandemia, a produção da agricultura familiar agroecológica também sofreu as consequências, o que segundo Paulo, era para motivar o aumento do apoio do poder público. “Era para a agroecologia ser mais valorizada, porque garante as condições para uma vida digna para as pessoas, cuidando do meio ambiente, fornecendo alimento que traz saúde, traz imunidade”, destaca.
“Onde existe muita floresta, existe muita pobreza” – A frase citada pelo Ministro do Meio Ambiente, Sérgio Leite, em meio ao seu discurso na COP 26, destaca o apoio do Governo Federal ao sistema de recompensa financeira a quem cuida da floresta. Na visão de Paulo Pedro, a pobreza que ainda existe no campo é “fruto da falta de apoio do governo à produção, ao beneficiamento e à comercialização de produtos”, afirma .
Estudos comprovam que as matas em pé são mais produtivas. O desenvolvimento, completa Paulo, “não vem da substituição da diversidade das espécies”. A cidade não é muito desenvolvida? Onde estão os maiores bolsões de pobreza? Na cidade! O pessoal do campo, com todo sofrimento, vive melhor do que o povo da cidade. Se não fosse a pressão do agronegócio em cima das vidas dessas pessoas, e se o Estado botasse a mão com políticas públicas [seria melhor]”, pondera.
O futuro pós COP 26 – O agronegócio deve continuar sendo alvo das atenções políticas no Brasil. Em meio ao crescimento da atividade, ao longo da pandemia, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar no Brasil atingiu 19 milhões, das quais 12% são de áreas rurais e cerca de 4 milhões vivem na região semiárida.
Na visão de Paulo Pedro, para as famílias agricultoras, organizações e instituições que enxergaram os problemas sociais e ambientais produzidos em meio ao crescimento das exportações do agronegócio, “a agroecologia é a grande trincheira de resistência”. Ele prossegue, recomendando caminhos para fortalecer essa prática, evitar o agravamento das mudanças climáticas e aumentar a resiliência aos impactos deste problema.
“É continuar fortalecendo a rede de agricultores experimentadores, ocupar as redes sociais, a comunicação é importante para fortalecer a agroecologia. Continuar os diálogos com os centros de pesquisa e a cooperação internacional. Temos que fazer a incidência nos municípios e estados para a criação de políticas públicas. Eu sei que não está fácil, mas quem chegou ao ponto de entender que a agroecologia é o caminho, não vai retroceder”, conclui.