Por Comunicação da ASA-BA
No Nordeste, mudanças mexem na principal fonte de recursos (90, 9%) de 1/3 dos municípios
Em 2016, a Proposta de Emenda a Constituição (PEC 287), elaborada no Governo Michel Temer (MDB), começou a preocupar diversos segmentos do país. Ao ser noticiada, a informação foi popularizada como Reforma da Previdência e provocou opiniões divergentes no campo político brasileiro. Sem ser posta em votação no Governo Temer, a proposta contou com algumas alterações e voltou a ser apresentada no Governo Jair Bolsonaro (PSL), transformando-se na PEC nº 06/2019, que começou a tramitar na Câmara dos Deputados a partir desta quarta-feira (24), com a aprovação do texto na Comissão de Cidadania e Justiça (CCJ). Sendo aprovada na Câmara, o próximo passo é a análise e votação no Senado.
Os movimentos e organizações sociais, parlamentares de diversos partidos, juristas, formadores de opinião têm apontado uma série de prejuízos para a população brasileira, caso a PEC seja aprovada. Para a assistente social Nádia Márcia Campos, é preciso entender inicialmente que a Previdência é parte da Seguridade Social, o que envolve também, a Assistência Social e a Saúde. Para ela, está havendo um desmonte de todo esse Sistema, o que representa a perda de direitos conquistados pelos/as trabalhadores e trabalhadoras e até então reconhecidos pelo Estado e pelo patronato.
A Seguridade Social atende vulnerabilidades e necessidades da classe trabalhadora, assegurando a garantia de diversos direitos através do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), do Sistema Único da Assistência Social (SUAS) e Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta de Reforma apresentada pelo atual governo não atinge diretamente o SUS mas enfraquece o Sistema de Seguridade Social, afetando, sobretudo, a população mais pobre.
O argumento que usado para justificar a necessidade de aprovação da PEC é de que a Previdência tem hoje um déficit que precisa ser reduzido. Porém, Nádia Márcia explica que esse chamado rombo já foi diminuído a partir de mudanças feitas pelo Governo Dilma Rousseff (PT), a exemplo do estabelecimento de teto de aposentadoria para servidor/a público; direito à pensão por falecimento do cônjuge apenas se a/o pensionista tiver mais de 45 anos; dentre outras medidas.
Impactos – “A nova proposta demarca o fim do Sistema. A retirada da Seguridade Social da Constituição Federal é dizer pro povo brasileiro que não existirá mais previdência social nos moldes que a gente lutou para construir”, alerta a advogada Leila Santana, representante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Leila chama atenção para o impacto na vida dos/das trabalhadores/as do campo, as/os quais serão drasticamente afetados/as com as mudanças, especialmente porque perder a condição de segurados especiais. As mulheres serão ainda mais penalizadas, uma vez que em sua maioria cumprem jornadas triplas de trabalho e com a proposta a ser votada passam a ter direitos reduzidos, como é o caso da ampliação em mais de cinco anos do tempo de trabalho necessário para alcançar a aposentadoria.
Além disso, benefícios como aposentadoria por invalidez e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) também estão na mira de mudanças severas. No caso do BPC, que hoje é um salário mínimo, passaria a ser R$ 400 até a/o beneficiário/a completar 70 anos.
Essas alterações afetam diretamente a economia dos municípios de médio e pequeno porte, que hoje possuem sua arrecadação baseada na Previdência e Programas de Assistência Social. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2017, em 87,9% dos 5.570 municípios brasileiros, o valor repassado pelo INSS é maior do que a arrecadação municipal e em 73,6% é maior do que o montante recebido através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Na região Nordeste, conforme apontou a PNAD 2017, 33,3% dos municípios contam com 90,9% de sua arrecadação proveniente da Previdência, ficando em segundo lugar o recurso oriundo de Programas Sociais como Bolsa Família, seguido de outras fontes como o serviço público. “Sem BPC, sem Previdência Social, como é que esse povo e seus municípios e a economia local viverão? (…) Muitos municípios estão fadados ao seu fim ou ao seu redimensionamento econômico, social, pelas condições de pobreza que poderão vir a ser agravadas”, enxerga Leila Santana.
Esta visão, porém, não tem sido evidenciada para a maior parte da população. Há ainda muita desinformação por parte da classe trabalhadora, o que para a agricultora Carla de Andrade, do município baiano de Barra do Mendes, é fruto da ausência de um contra-discurso na sociedade, prevalecendo o que é dito pelos grandes meios de comunicação do país, os quais veiculam o que lhes interessam. A trabalhadora rural lembra que as informações acerca dos impactos devem chegar às bases para que esta se envolva nas mobilizações, pois “muita gente está tranquila, está achando que não vai acontecer”, diz Carla se referindo principalmente aos agricultores/as.
Uma das principais críticas dos movimentos sociais ligados ao campo é de que as/os agricultores/as familiares, que são responsáveis por 70% da alimentação que chega à mesa dos/das brasileiros e brasileiras, até hoje convivem com precariedades, negação de direitos trabalhistas, sem falar que trata-se de um segmento que demorou a ser contemplado na legislação do país e agora corre o risco de perder o que já foi assegurado a partir de muita mobilização social nos sindicatos, nas ruas e também através do voto.
Resistência – “É importante que a gente discuta isso com mais profundidade, conheça a proposta do governo, que não é uma proposta de Reforma, é uma proposta de desmonte de tudo que já se conquistou, é um atraso tremendo”, lamenta a educadora de Cícero Dantas (BA), Raimunda Maria de Jesus, que participou de encontro de formação sobre o tema, realizado por organizações sociais da Bahia nos dias 16 e 17 de abril no município de Feira de Santana, região metropolitana da Bahia.
Como encaminhamento dessa formação, a ASA, o Fórum Baiano de Agricultura Familiar, o MPA, a Articulação de Agroecologia na Bahia (AABA) e Rede de Escolas Famílias Agrícolas do Semiárido da Bahia (Refaisa) e sindicatos rurais vão realizar seminários, atos, produção de materiais para subsidiar a discussão juntos aos grupos que acompanham, além de provocar os poderes legislativos e executivos locais, regionais e federal a se posicionarem contra a proposta em análise no parlamento nacional.
A extinção do sistema de Seguridade Social hoje preocupa essas organizações que agora se lançam ao desafio de agir frente a esse contexto. “Isso significa condenar à morte a população brasileira”, afirma Naidson Baptista, da Coordenação Estadual da Articulação Semiárido brasileiro, ao se referir à chamada Reforma da Previdência.
Apesar do desmonte da Seguridade já ter iniciado com a extinção de Ministérios, Conselhos, redução de orçamentos, por exemplo, a sociedade civil organizada segue realizando articulações no sentido de enfrentar as consequências do golpe político que o Brasil vive desde 2016. “É hora de todo mundo arregaçar as mangas, se apropriar desses conteúdos, desse debate (…), fazer as grandes mobilizações mas principalmente essa troca no dia a dia. Eu tô muito animada a fazer esse trabalho”, expressa a agricultora Carla Andrade.
Matéria originalmente publicada em: https://www.asabrasil.org.br/noticias?artigo_id=10871