As experiências agroecológicas de famílias que lutam por direitos e políticas fundamentais para a permanência no Semiárido com vida digna
Texto produzido com a colaboração de: Gutemberg Rios (COFASPI), João Nunes (COFASPI), Luna Layse Almeida (Comunicação COFASPI), Marcelo Mercês (COFASPI), Robervânia Cunha (Comunicação MOC), Robson Aglayton (COFASPI) e Tamara Rangel (COFASPI)
Na manhã do dia 7 de dezembro, participantes do 6º Encontro de Agricultores/as Experimentadores/as, vindos de diversos territórios do Semiárido baiano, realizaram visitas de intercâmbio em comunidades rurais de municípios localizados no Piemonte da Diamantina. Foram cerca de 250 agricultores/as participando das trocas de saberes que, divididos em oito grupos, se deslocaram para conhecer experiências de famílias rurais que tem acesso a políticas que garantem a permanência e vida digna no campo. Conquistas que são resultado de lutas coletivas, mas muitos desses direitos sociais estão sendo retirados das famílias agricultoras.
Para o ano de 2018, o Governo Federal prevê cortes de orçamentos para a agricultura familiar e programas no Semiárido. Em meio à essa conjuntura de desafios, nas comunidades rurais os/as agricultores/as buscam manter a articulação e a produção de alimentos, como é possível identificar, por exemplo, a partir das experiências – visitadas durante os intercâmbios do 6º Encontro de Agricultores/as Experimentadores/as – de famílias que são acompanhadas por equipes de organizações como a COFASPI, por meio de projetos financiados por parceiros/as. Conheça um pouco mais sobre cada uma dessas experiências que têm foco em sistemas como produção agroecológica, extrativismo sustentável, manejo de caprino para produção de leite, turismo comunitário ecológico, criação de peixes, produção de plantas medicinais, acesso a políticas da agricultura familiar, beneficiamento e comercialização de produtos.
Comunidade Mata do Estado – Capim Grosso/BA
Na propriedade de Pedro Calado e Nativa Brito, que fica na zona rural à 5 km da sede do município de Capim Grosso/BA, o intercâmbio foi iniciado com uma roda de conversa para que todos/as se apresentassem. Seu Pedro já aproveitou para contar sobre uma receita de xarope caseiro – feito com variados tipos de plantas medicinais. Em uma volta pela roça, foi fácil perceber a diversidade e que o agricultor sabe muito bem os benefícios de cada variedade: “É um sabedor das ervas medicinais”, relataram os/as agricultores/as visitantes. A família também produz hortaliças agroecológicas e faz rotação de culturas, tendo o cuidado de adubar melhor os canteiros que estiverem com insetos, para contribuir no controle.
Na caminhada, logo notaram ainda as flores que fizeram com que o agricultor ganhasse o apelido de Pedro das Flores. Todos os cuidados para manter as diversas produções dependem do trabalho diário e conjunto do casal, que também comercializa mudas e hortaliças na feira do município. Ao final, à sombra da Cajazeira, entre prosas e risos, foi servido o almoço feito por Pedro e Nativa, de onde era possível avistar a cisterna calçadão rodeada do verde das mudas.
Comunidade Tigre – Capim Grosso/BA
Após a chegada à comunidade Tigre, localizada a 15 km da sede de Capim Grosso/BA, a caminhada pela propriedade da família de José Milton e Jenilza Silva iniciou depois de observar o processo para triturar a palma na máquina forrageira. Trabalho costumeiro no local, onde a criação da cabra leiteira é uma das principais atividades e a palma, assim como o mandacaru, é um dos alimentos fornecidos aos animais. “Eu amo essa luta da roça. Levanto às quatro da manhã e vou com ele (José Milton) tirar leite”, descreve a esposa Jenilza. Diariamente são colhidos cerca de 110 litros e um dos desafios na região está na comercialização do produto. O agricultor Zé Milton, como é mais conhecido, relata a falta de apoio dos poderes públicos e a dificuldade de vender leite de cabra no município.
Durante a visita, chamou a atenção de todos/as o porte dos animais que são alimentados geralmente três vezes ao dia. São, em média, 30 cabras. Mas uma curiosidade que atraiu ainda mais os olhares dos/as participantes do 6º Encontro foi um dos bodes que, assim como as cabras, produz leite. Descrentes dessa rara característica, o grupo se convenceu depois de ver Seu Milton tirar leite do bode e fizeram questão de depois contar para os/as colegas sobre o “bode que dá leite”.
Comunidade Coxo de Dentro – Jacobina/BA
A bela paisagem composta por enormes serras, a abundância de água nos córregos, em uma localidade de vegetação de mata sub-úmida em que o canto dos pássaros encanta, a todo momento fez ressoar entre os participantes do 6º Encontro a expressão de fascínio: – Aqui é o paraíso… quero morar aqui! Ao todo, vinte e duas pessoas, de municípios e realidades distintas, foram recebidas pela anfitriã Dona Luiza – uma das representantes da comunidade Coxo de Dentro que trabalha com extrativismo sustentável – tendo cuidados com a preservação da natureza – e beneficiamento do coco babaçu. Ela apresentou as instalações, produtos e o modo como fazem os beneficiamentos, em um processo que envolve a colheita, quebrar a casca dura do babaçu, além de produzir alimentos, cosméticos e bijuterias. Com o babaçu, é possível fazer óleo e torta de babaçu, bem como, o sabonete, creme hidratantes, dentre outros produtos.
Na comunidade, também há famílias agricultoras produzindo hortaliças de modo agroecológico. A agricultora Maria da Conceição Correia, mais conhecida como Ceiça, apresentou sua área de produção. Na propriedade também há instalações do Projeto PAIS – Produção Agroecológica Integrada e Sustentável, desenvolvido pela Cooperativa de Consultoria, Pesquisa e Serviços de Apoio ao Desenvolvimento Rural Sustentável (COOPESER) com parceira da COFASPI. Dona Ceiça explicou a forma de funcionamento desse projeto, em que, no mesmo espaço ela cria galinhas, faz o plantio de hortaliças, plantas medicinais e ao redor árvores frutíferas, sendo a bananeira a mais abundante. Após os diálogos, ao chegar do início da tarde, o almoço na propriedade de Ieda Amaral e sua filha Jamile deixou todos/as maravilhados, com a oferta de alimentos preparados com produtos da horta familiar e também do Projeto PAIS. Nas avaliações do intercâmbio, vários depoimentos trataram da harmonia entre a natureza preservada e a produção agrícola, envolta pelas as belezas naturais, a abundância de água, boa organização do grupo de produção da associação, além de saber que muitas das famílias participam da Rede de Feiras Agroecológicas Solidárias do Piemonte (REFAS Piemonte), comercializando alimentos saudáveis semanalmente na feira de Jacobina/BA.
Comunidade Lagoa do Timbó, no distrito Itaitu – Jacobina/BA
Vinte agricultores do 6º Encontro visitaram a comunidade Lagoa do Timbó, situada a cerca de 15 km da sede do município de Jacobina/BA. O grupo foi recebido por Seu Nissinho, agricultor que a 15 anos produz com a família de modo agroecológico. Ele integra a REFAS Piemonte e também comercializa alimentos na feirinha de Jacobina/BA. Seu Nissinho logo apresentou a área em que realiza compostagem e demonstrou como faz e aplica compostos orgânicos nos canteiros.
O grupo fez ainda uma caminhada até o curral, onde o agricultor mostrou a ureia de vaca e ensinou como pode ser utilizada como defensivo natural na plantação. Por fim, sempre tirando dúvidas e trocando experiências, mostrou a área produtiva de onde saem, diretamente para as feiras agroecológica, as frutas, feijão, batatas, abóbora, milho, quiabo, dentre outras verduras e legumes saudáveis, todos produzidos sem uso de venenos químicos.
Outra experiência que os participantes conheceram foi a da família do agricultor Adalto. Ele primeiro apresentou o tanque com criatório de peixes alimentados de maneira orgânica. O agricultor também explicou como funciona o sistema PAIS e deu dicas de produção agroecológica das hortaliças, destacando o plantio do maracujá, produzido com aproveitamento de diversos espaços da propriedade, como, por exemplo, no telhado no galinheiro. Em seguida, o grupo se reuniu para relatar as experiências e trocar conhecimentos, onde muitos destacaram a importância do aproveitamento de adubos da própria produção na roça e uso de esterco dos animais para retroalimentar o sistema. O intercâmbio foi finalizado com um delicioso almoço preparado com alimentos produzidos pela família de Adalto.
Comunidade Almas – Miguel Calmon/BA
No Rancho Paraíso, o agricultor José Nilton Santos (mais conhecido como Zé Moto Jegue) e a professora Darticleia Santos receberam os/as visitantes para partilharem práticas agroecológicas. “Quando me mudei pra cá não tinha nada, era só mato. Hoje tá desse jeito, fui fazendo aos poucos e pretendo melhorar cada vez mais”, expressou Zé.
O compartilhamento foi em torno de manejo e conservação da terra e da água, uso de biofertilizantes, sobre criação animal, o uso do biodigestor – que produz gás metano para abastecer o fogão, sendo uma alternativa para diminuir gastos domésticos da família. Também chamou atenção uma prática conhecida por muitos agricultores/as como mandala (hortaliças cultivadas em forma de círculo junto ao criatório de galinhas), que na comunidade Almas faz parte do projeto PAIS.
Entre belezas, encantos e muitos aprendizados, conheceram ainda a propriedade vizinha, da família do agricultor Jorge Araújo, que mostrou com muita satisfação o fruto de seu trabalho do dia a dia. Uma diversidade de hortaliças e forrageiras, entre outras produções agroecológicas.
Comunidade Giral – Caém/BA
Em Caém/BA, os/as visitantes conheceram experiências de comercialização feita por agricultores/as que integram a associação da comunidade Giral. Muitos vendem suas produções agroecológicas de hortaliças e produtos beneficiados para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), aumentando a renda familiar.
Durante conversa com a agricultora Lízia Pinho, dialogaram sobre técnicas sobre manejo e adubação. Também foram a propriedades das famílias de Elisângela, presidente da associação, do jovem Jogleidson Santos e do agricultor Dorivaldo. Elisângela destacou que o plantio da mandioca tem diminuído devido à baixa quantidade de chuvas na região e, por meio do incentivo da Cofaspi durante acompanhamento à implementação de tecnologias sociais na comunidade, a exemplo das cisternas, houve o incentivo a busca de alternativas de produção na comunidade. Atualmente uma das maiores fontes de renda é a venda de hortaliças.
Comunidade Bom Jardim – Caém/BA
A produção e comercialização de derivados da mandioca é uma das principais atividades desenvolvidas nas comunidades Bom Jardim e Monteiro, em Caém/BA. Agricultores/as que integram a Associação Quilombola dos Produtores de Mandioca de Bom Jardim e Monteiro (Aquibom) mostraram o espaço onde são produzidos alimentos como o beijú, um dos mais vendidos pela associação e que também chega em escolas do município, por meio do PNAE.
A associação tem cerca de 40 membros e foi fundada há 10 anos, contribuindo para garantir a mobilização de moradores/as das comunidades Bom Jardim e Monteiro. Um dos desafios nessa região é a luta pela regularização de terras. Grande parte dos moradores/as ainda não tiveram suas áreas reconhecidas. Articulado por meio da associação comunitária, mantêm a busca de acesso a direitos, que já garantiu conquistas como aumento da geração de renda, ter um posto de saúde e creche na própria comunidade.
Comunidade Coqueiro – Mirangaba/BA
Participantes do 6º Encontro conheceram a experiência de turismo comunitário e ecológico do Grupo Grota Quilombola, formado por jovens das comunidades quilombolas Palmeiras e Coqueiro, para dialogar sobre a articulação da juventude e o enfrentamento aos principais desafios na região. Entres prosas e cotação de causos, conheceram a experiência do grupo formado após a participação de jovens da localidade no Curso de Formação de Lideranças da Juventude, organizado pela COFASPI, com apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviços.
No intercâmbio, também acompanharam, na propriedade da família de Paulo Francisco e Creusa Tereza, a produção de alimentos orgânicos que servem para o consumo familiar e a comercialização realizada semanalmente na feira agroecológica em Mirangaba/BA. O casal integra a REFAS Piemonte e se orgulha de falar sobre os benefícios da alimentação agroecológica. Antes, Seu Paulão – como é mais conhecido – conta que produzia de modo convencional, com o uso de venenos químicos, e notava os prejuízos ocasionados, afetando a própria saúde, além de perceber os danos que eram provocados à natureza.
*O 6º Encontro de Agricultores/as Experimentadores/as é organizado pela Cooperativa de Trabalho e Assistência à Agricultura Familiar Sustentável do Piemonte (COFASPI), com o fundamental apoio de parceiros/as, como a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), e a Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) do Governo da Bahia, por meio da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR).